segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Primeiros sinais de estranha propriedade quântica do espaço vazio?

Observações VLT de estrela de nêutrons podem confirmar previsão com 80 anos sobre o vácuo

30 de Novembro de 2016
Ao estudar com o Very Large Telescope do ESO a radiação emitida por uma estrela de nêutrons muito densa e fortemente magnetizada, astrônomos descobriram os primeiras indícios observacionais de um estranho efeito quântico, previsto inicialmente nos anos 1930. A polarização da radiação observada sugere que o espaço vazio em torno da estrela de nêutrons está sujeito a um efeito quântico conhecido por birrefringência do vácuo.
Uma equipe liderada por Roberto Mignani do INAF de Milão, Itália, e da Universidade de Zielona Gora, Polônia, utilizou o Very Large Telescope do ESO (VLT), instalado no Observatório do Paranal no Chile, para observar a estrela de nêutrons RX J1856.5-3754, situada a cerca de 400 anos-luz de distância da Terra [1].

Apesar de ser uma das estrelas de nêutrons mais próximas de nós, a luminosidade muito baixa deste objeto faz com que os astrônomos apenas a possam observar no visível com o instrumento FORS2 montado no VLT, nos limites da atual tecnologia de telescópios. 

As estrelas de nêutrons são restos de núcleos muito densos de estrelas massivas — pelo menos 10 vezes mais massivas que o Sol — que explodiram sob a forma de supernovas no final das suas vidas. Possuem também campos magnéticos intensos, bilhões de vezes mais fortes que o do nosso Sol, que permeiam as suas superfícies exteriores e seus arredores.

Estes campos magnéticos são tão fortes que afetam inclusive propriedades do espaço vazio ao redor da estrela. Normalmente, o vácuo sugere-nos um espaço completamente vazio, onde a radiação viaja sem ser modificada. No entanto, em eletrodinâmica quântica — a teoria do vácuo que descreve a interação entre fótons de luz e partículas carregadas, tais como elétrons — o espaço encontra-se repleto de partículas virtuais que aparecem e desaparecem a todo o momento. Campos magnéticos muito intensos podem modificar este espaço, de tal maneira que este afeta a polarização da radiação que passa através dele.

Mignani explica: “De acordo com a eletrodinâmica quântica, um vácuo altamente magnetizado comporta-se como um prisma no que diz respeito à propagação da radiação, um efeito conhecido por birrefringência do vácuo.”

Entre as muitas previsões da eletrodinâmica quântica, a birrefringência do vácuo não teve ainda uma demonstração experimental. Tentativas de detectar este efeito em laboratório não deram qualquer resultado nos 80 anos que passaram desde a publicação do artigo científico de Werner Heisenberg (famoso pelo princípio de incerteza) e Hans Heinrich Euler.

Este efeito pode ser apenas detectado na presença de campos magnéticos extremamente fortes, tais como os existentes em torno de estrelas de nêutrons, o que mostra, uma vez mais, como as estrelas de nêutrons são laboratórios valiosos para o estudo das leis fundamentais da natureza,” diz Roberto Turolla (Universidade de Pádua, Itália).

Após análise cuidada dos dados VLT, Mignani e a sua equipe detectaram polarização linear — com um grau significativo de cerca de 16% — que pensam ser provavelmente devida ao efeito de birrefringência do vácuo ocorrendo no espaço vazio que rodeia RX J1856.5-3754 [2].

Vincenzo Testa (INAF, Roma, Itália) comenta: “Até hoje, este é o objeto mais fraco para o qual foi medido um valor de polarização. Foi necessário utilizar um dos maiores e mais eficientes telescópios do mundo, o VLT, e técnicas de análise de dados precisas para aumentar o sinal emitido por uma estrela tão fraca.”

A alta polarização linear que medimos com o VLT não pode ser explicada facilmente pelos nossos modelos, a menos que incluamos o efeito de birrefringência do vácuo previsto pela eletrodinâmica quântica,” acrescenta Mignani.

Este estudo do VLT é o primeiro resultado observacional que vai de encontro às previsões deste tipo de efeitos da eletrodinâmica quântica, originados por campos magnéticos extremamente fortes,” diz Silvia Zane (UCL/MSSL, Reino Unido).

Mignani está entusiasmado com os avanços, nesta área de estudo, que poderão vir de observações feitas com telescópios mais avançados: “Medições de polarização com a nova geração de telescópios, tais como o European Extremely Large Telescope do ESO, podem desempenhar um papel crucial em testes de previsões da eletrodinâmica quântica de efeitos de birrefringência do vácuo em torno de muitas mais estrelas de nêutrons.”

Estas medições, feitas agora pela primeira vez no visível, abrem também o caminho a medições semelhantes serem feitas em raios X,” acrescenta Kinwah Wu (UCL/MSSL, Reino Unido).

Notas

[1] Este objeto faz parte do grupo de estrelas de nêutrons conhecidas por As Sete Magníficas. São estrelas de nêutrons isoladas, sem companheiras estelares, que não emitem ondas rádio (como os pulsares) e não estão rodeadas por material progenitor da supernova.

[2] Existem outros processos que podem polarizar a emissão estelar à medida que esta viaja pelo espaço. A equipe verificou de forma cuidadosa outras possibilidades — por exemplo, polarização criada pela dispersão da radiação em grãos de poeira — mas considerou pouco provável que dessem origem ao sinal de polarização observado.

Mais Informações

Este trabalho foi descrito no artigo científico intitulado “Evidence for vacuum birefringence from the first optical polarimetry measurement of the isolated neutron star RX J1856.5−3754”, de R. Mignani et al., que será publicado na revista especializada Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

A equipe é composta por R.P. Mignani (INAF - Istituto di Astrofisica Spaziale e Fisica Cosmica Milano, Milano, Itália; Instituto de Astronomia Janusz Gil, Universidade de Zielona Góra, Zielona Góra, Polônia), V. Testa (INAF - Osservatorio Astronomico di Roma, Monteporzio, Itália), D. González Caniulef (Mullard Space Science Laboratory, University College Londres, RU), R. Taverna (Dipartimento di Fisica e Astronomia, Universita di Padova, Padova, Itália), R. Turolla (Dipartimento di Fisica e Astronomia, Universita di Padova, Padova, Itália; Mullard Space Science Laboratory, University College London, RU), S. Zane (Mullard Space Science Laboratory, University College London, RU) e K. Wu (Mullard Space Science Laboratory, University College London, RU).

O ESO é a mais importante organização europeia intergovernamental para a investigação em astronomia e é de longe o observatório astronômico mais produtivo do mundo. O ESO é  financiado por 16 países: Alemanha, Áustria, Bélgica, Brasil, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Itália, Polônia, Portugal, Reino Unido, República Checa, Suécia e Suíça, assim como pelo Chile, o país de acolhimento. O ESO destaca-se por levar a cabo um programa de trabalhos ambicioso, focado na concepção, construção e operação de observatórios astronômicos terrestres de ponta, que possibilitam aos astrônomos importantes descobertas científicas. O ESO também tem um papel importante na promoção e organização de cooperação na investigação astronômica. O ESO mantém em funcionamento três observatórios de ponta no Chile: La Silla, Paranal e Chajnantor. No Paranal, o ESO opera  o Very Large Telescope, o observatório astronômico óptico mais avançado do mundo e dois telescópios de rastreio. O VISTA, o maior telescópio de rastreio do mundo que trabalha no infravermelho e o VLT Survey Telescope, o maior telescópio concebido exclusivamente para mapear os céus no visível. O ESO é um parceiro principal no ALMA, o maior projeto astronômico que existe atualmente. E no Cerro Armazones, próximo do Paranal, o ESO está construindo o European Extremely Large Telescope (E-ELT) de 39 metros, que será “o maior olho do mundo virado para o céu”.

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INAF - Istituto di Astrofisica Spaziale e Fisica Cosmica Milano
Milan, Italy
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Vincenzo Testa
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Monteporzio Catone, Italy
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Roberto Turolla
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Este texto é a tradução da Nota de Imprensa do ESO eso1641, cortesia do ESON, uma rede de pessoas nos Países Membros do ESO, que servem como pontos de contato local para a imprensa. O representante brasileiro é Gustavo Rojas, da Universidade Federal de São Carlos. A nota de imprensa foi traduzida por Margarida Serote (Portugal) e adaptada para o português brasileiro por Gustavo Rojas.

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